Até meados de 2015, nunca havia passado pela cabeça de Patrícia Martins deixar o Brasil. Divorciada e com dois filhos adolescentes, ela levava uma vida estável em São Paulo, onde trabalhava em uma das maiores empresas de tecnologia do país. Até que veio a grave crise política e econômica que culminaria, naquele momento, no impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
“Percebi que estava tudo indo ladeira abaixo. Foi quando comecei a me interessar pela possibilidade de migrar para o exterior depois que me aposentasse”, conta.
Assim que o desejo se tornou um plano concreto, Portugal também se transformou em uma alternativa coerente: cabia na sua renda, não exigia o domínio de outro idioma e, principalmente, era conhecido por ser um lugar seguro.
Um ano depois, já aposentada, ela estava dentro do avião com passagem só de ida para Lisboa. “Quem me viu em São Paulo, andando de carro de luxo, não me reconhece quando chega aqui. É uma vida muito mais digna”, explica. “Eu não volto mais para o Brasil.”
O carioca Claudney Neves, de 49 anos, é um deles. Reformado do Exército há um mês, ele tem tudo pronto para se mudar para Portugal com a mulher desde 2017, quando a sua aposentadoria estava perto de se concretizar.
“Naquela época, nossas contas mostravam que minha renda nos permitiria viver confortavelmente lá”, afirma.
Animado, o casal viajou para o país europeu há dois anos para dar entrada nos documentos e abrir uma conta bancária — para depositar o valor necessário para o visto D7.
Eles chegaram a decidir até onde viveriam: Espinho, uma cidadezinha de 31 mil habitantes perto de Porto.
Vieram, então, a pandemia e, em seguida, a escalada da moeda europeia, que adiaram os planos de forma indefinida.
“Hoje, fazendo a mesma conta, não dá para viver como a gente queria. Nós teríamos que complementar a renda chegando lá.”
Trabalhar para se aposentar
Se muitos brasileiros chegam já aposentados, há outro contingente que desembarca em território lusitano justamente com o plano de se aposentar por lá.
Para isso, eles se amparam em um acordo previdenciário assinado entre Brasil e Portugal em 1995 que, entre outras coisas, permite que o tempo de trabalho tanto lá quanto cá seja contabilizado de forma conjunta na hora de se aposentar.
Pelas regras, o candidato precisa ter contribuído por, no mínimo, 15 anos da sua vida ativa. Nesse caso, ele receberá o valor proporcional a esse período pago pelo governo português.
Luís Eduardo Afonso, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), observa, porém, que o tempo de contribuição, por si só, não deve balizar a decisão de se aposentar em Portugal.
“É preciso se atentar às regras do sistema previdenciário deles, que são diferentes das nossas. É o caso da idade para se aposentar e do período contributivo, por exemplo.
Pela lei portuguesa, uma pessoa deve ter, no mínimo, 66 anos e 6 meses para ter direito à aposentadoria. No Brasil, há várias regras, embora a base mais comum seja de 62 anos para os homens e 57 para as mulheres.
Segundo a advogada Miranda Ferreira, que também ajuda migrantes que buscam se estabelecer em Portugal, as diferenças na lei são geralmente favoráveis à previdência brasileira, que paga valores melhores e tem um sistema mais flexível.