Durante quase 40 anos, Ken Smith levou um vida fora do comum, sem eletricidade ou água corrente em uma cabana de madeira feita à mão nas margens de um lago remoto nas Highlands escocesas, a zona montanhosa no norte da Grã-Bretanha.

“É uma vida agradável. Todos gostariam de fazer isso, mas não fazem”, diz Smith.

Ken Smith pesca e cata alimentos, junta lenha e lava suas roupas em uma banheira velha ao ar livre.

Nem todos concordariam que esse estilo de vida isolado e solitário seja o ideal,

É conhecido como o lago solitário”, diz ele. “Não há uma estrada, mas havia pessoas morando ali, antes da construção da barragem”, conta ele.

Olhando para o lago do alto de uma colina, Ken diz: “As ruínas estão lá embaixo. Agora só há uma pessoa aqui, que sou eu”.

Há nove anos, Ken teve o primeiro contato com a cineasta Lizzie McKenzie. Nos últimos dois anos, ela o filmou para o documentário The Hermit of Treig (“O eremita de Treig”, em tradução literal),

Ken, que é de Derbyshire, na Inglaterra, conta no documentário que começou a trabalhar aos 15 anos, ajudando em construções de estações do Corpo de Bombeiros.

Mas a vida dele mudou aos 26 anos, quando, em uma noite, foi espancado por uma gangue. Ele sofreu uma hemorragia cerebral e ficou em coma por 23 dias.

“Disseram que eu nunca me recuperaria, que nunca mais voltaria a falar. Disseram que nunca mais voltaria a caminhar, mas eu consegui. Foi quando decidi que nunca viveria segundo os termos de ninguém que não fossem os meus”, diz ele.

Ken Smith
Ken Smith já viveu distante do mundo em sua cabana durante quatro décadas

Em busca de nova direção

Ken começou a viajar e a se interessar pela ideia de viver na natureza selvagem após se recuperar do problema de saúde.

No Yukon, o território canadense que faz fronteira com o Alasca, nos Estados Unidos, ele se perguntou o que aconteceria se simplesmente entrasse pelo mato da beira de uma estrada e “fosse a lugar nenhum”.

Foi o que ele fez. Ele diz que caminhou cerca de 35 mil quilômetros antes de voltar para casa.

Enquanto estava fora, seus pais morreram — e ele não soube disso na volta.

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“Não senti nada no momento. Passou muito tempo até que isso me afetasse”, diz ele.

Ken então saiu em uma nova caminhada atravessando toda a extensão da Grã-Bretanha. Ele estava em Rannoch, nas Highlands escocesas, quando de repente pensou em seus pais e começou a chorar.

“Eu chorei o tempo todo enquanto caminhava”, diz.

“Eu pensei: onde fica o lugar mais isolado da Grã-Bretanha?”, conta no documentário.

Ken posa junto com peixes

CRÉDITO,KEN SMITH

Legenda da foto,A principal fonte de alimentos é o lago

“Segui em frente e passei por todas as baías e montanhas onde não havia uma casa construída. Centenas e centenas quilômetros de nada. Olhei para o outro lado do lago Treig e vi essa floresta”, se recorda.

Naquele momento, ele sabia que havia encontrado o lugar onde queria ficar.

Ken diz que foi nesse momento em que parou de chorar e pôs um fim a sua perambulação.

Ele começou a planejar uma cabana. Após testes com gravetos para encontrar a design mais adequado, ele a construiu usando troncos.

Uma vida em isolamento

Quatro décadas depois, a cabana tem um fogão a lenha, mas não há eletricidade, gás ou água corrente e, definitivamente, nenhum sinal de celular.

A lenha tem de ser cortada na floresta e levada ao remoto refúgio. Ele cultiva verduras e cata frutas silvestres no bosque, mas a sua principal fonte de alimentação é o lago.

Ken posa em frente à cabana

CRÉDITO,KEN SMITH

Legenda da foto,Ken em sua cabana de troncos, pouco depois de terminar a construção dela em meados da década de 1980

“Se quiser aprender a viver uma vida independente, o que você precisa fazer é aprender a pescar”, diz.

Dez dias depois da diretora de cinema Lizzie McKenzie deixar a cabana dele em fevereiro de 2019, os perigos da existência isolada de Ken vieram à tona quando ele sofreu um derrame na neve, do lado de fora da cabana.

Ele usou um localizador pessoal de GPS que havia ganhado dias antes para ativar um pedido de socorro — encaminhado para uma central de em Houston, no Texas.

Esta avisou a guarda costeira do Reino Unido foi notificada, e Ken foi levado de helicóptero para um hospital em Fort William, na Escócia, onde passou sete semanas se recuperando.

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A equipe do hospital fez o possível para garantir que ele pudesse voltar a viver de forma independente, mas os médicos tentaram convencê-lo a voltar para civilização, onde teria apartamento e cuidadores. Ken, porém, só queria saber de voltar à sua cabana.

A visão e a memória dele foram afetadas após o derrame. Em razão disso, ele teve de aceitar ajuda como nunca havia recebido antes.

O guarda-florestal que cuida da floresta onde Ken mora, leva comida para ele a cada duas semanas, que ele paga com a pensão que recebe.

“As pessoas têm sido muito boas comigo”, diz Ken.

Ken Smith
‘Ficarei aqui até a chegada dos meus últimos dias’

Um ano depois do seu primeiro resgate, Ken precisou ser transportado de helicóptero novamente após se machucar quando uma pilha de troncos caiu sobre ele.

Apesar das dificuldades, ele diz que não se preocupa com o futuro.

“Não viemos à terra para sempre. Ficarei aqui até a chegada dos meus últimos dias, definitivamente. Já tive muitos incidentes, mas sobrevivi a todos eles”, declara.

“Certamente terei novos problemas de saúde em algum momento. Algo vai acontecer comigo que me levará embora um dia, como todo mundo. Mas espero chegar aos 102 anos”, diz.

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